Dr. Fábio Ricardo Coutinho Fontes César – Especialista Agronômico – Mosaic
Dr. Josimar Vieira dos Reis – Agrônomo Sênior – Mosaic
O termo solubilidade é amplamente empregado em diversas situações do cotidiano agronômico. Mas será que quando falamos da solubilidade de um herbicida, inseticida ou fungicida WG (granulado dispersível), de um fertilizante para fertirrigação ou da solubilidade de um superfosfato simples, estamos tratando do mesmo assunto?
Quais critérios de solubilidade de fertilizantes fosfatados devem ser levados em consideração no momento de escolher o fertilizante ideal para o meu solo e cultura? Descubra continuando a leitura!
O que é solubilidade?
A solubilidade de determinada substância é a quantidade máxima desta substância (denominada soluto) que pode ser dissolvida em uma quantidade específica de solvente a uma determinada temperatura e pressão. Por exemplo, a solubilidade do sal de cozinha (NaCl) em água é de 359 g/L a 25 °C a pressão ambiente.
Assim, a água é considerada o solvente universal, pois é capaz de dissolver mais substâncias que qualquer outro líquido a temperatura ambiente. Desta forma, a grande maioria das soluções com as quais trabalhamos são aquosas. Ao preparar uma calda para aplicação de um herbicida WG (granulado dispersível) cuja recomendação é de 750 g/100 L de água fica claro que o herbicida é o soluto que deve ser dissolvido em água (solvente) na proporção de 750 g para cada 100 L de água.
Os fertilizantes, em geral são sais que ao se dissolverem em água se dissociam em um cátion e um ânion (Ex.: KCl à K+ + Cl-). Na Tabela 1 são listadas as solubilidades de alguns fertilizantes. Podemos observar que alguns apresentam elevada solubilidade, como o nitrato de amônio e outros apresentam baixíssima solubilidade, como o fosfato bicálcico.
É importante destacar que estes valores de solubilidade são obtidos em condições de laboratório e com água pura e, embora nem sempre possam ser replicados exatamente em outras condições, servem como referência para comparações.
Alguns dos fertilizantes listados na Tabela 1 são muito utilizados em fertirrigação ou em cultivo hidropônico pois possuem alta solubilidade em água (KCl, MAP, Nitrato de Amônio, Sulfato de Potássio, etc.). Outros fertilizantes, no entanto, possuem baixa solubilidade em água, como é o caso dos fertilizantes fosfatados que contêm fosfato bicálcico (CaHPO4), que embora tenha baixa solubilidade em água, é considerado como fonte de P disponível para as plantas quando aplicado ao solo.
Exatamente neste conceito de disponibilidade de um nutriente para as plantas quando um fertilizante é aplicado ao solo é que surge muita confusão com o termo solubilidade. O que realmente significam as solubilidades de um fertilizante fosfatado (água e CNA + água) que vemos nas etiquetas de garantia dos fertilizantes?
Tipos de fertilizantes e suas solubilidades
Para obter a solubilidade dos fertilizantes apresentados na Tabela 1 basta dissolvê-los em água a temperatura e pressão ambiente. Contudo, para obter as solubilidades dos fertilizantes fosfatados como vemos nas etiquetas de garantias dos teores de P2O5 é necessário seguir uma metodologia de extração realizada em laboratório.
Portanto a diferença é que as garantias de P2O5 que vemos nas etiquetas dos fertilizantes fosfatados são obtidas por extratores. Para o caso dos fertilizantes fosfatados temos três extratores oficialmente utilizados no Brasil: água, citrato neutro de amônia + água (CNA + água) e ácido cítrico (Tabela 2). É interessante notar a diferença conceitual entre a solubilidade em água apresentada na Tabela 1, onde a água é um solvente e a solubilidade em água apresentada na Tabela 2, onde a água é um extrator.
Um extrator é definido como uma substância que é capaz de retirar dos fertilizantes (extrair) uma quantidade de nutrientes que se correlaciona com o crescimento e produção das plantas quando o fertilizante é aplicado ao solo. Para fazer esta estimativa não basta dissolver o fertilizante em água, CNA ou ácido cítrico, mas deve-se seguir uma rotina de análises no laboratório que envolve etapas padronizadas como: moer uma amostra do fertilizante e passá-la por peneiras com malhas de abertura específicas, aquecer e agitar as amostras em solução por tempos determinados, filtrar o extrato após as extrações e determinar a quantidade do elemento químico extraído por método de análise específico. Portanto para entender a solubilidade de fertilizantes fosfatados de forma adequada o primeiro passo é compreender a diferença de água como solvente e água como extrator.
Água como solvente é diferente de água como extrator |
Como vimos anteriormente, existem três extratores utilizados para estimar a disponibilidade de P em fertilizantes fosfatados. Agora sabemos que utilizamos o termo solubilidade como sinônimo do teor de nutriente extraído de um fertilizante por determinado extrator.
Mas qual a diferença entre o teor de P2O5 solúvel em água, CNA + água ou ácido cítrico em um fertilizante fosfatado? Por que não utilizamos apenas um extrator ou o mesmo extrator para todos os fertilizantes fosfatados?
A resposta para estas perguntas está no conceito de disponibilidade de nutrientes para as plantas. Assim, um bom extrator é aquele capaz de estimar de forma adequada a disponibilidade do nutriente para as plantas após o fertilizante ser aplicado ao solo, o melhor extrator é aquele que apresenta a melhor correlação entre a quantidade de P extraída (solubilizada) do fertilizante fosfatado e a produção das plantas.
Ao observar a Tabela 2 podemos notar que para alguns fertilizantes são apresentadas nas etiquetas as garantias de P2O5 total e em ácido cítrico e para outros as garantias de P2O5 em CNA + Água e em água. Isso ocorre, pois, cada extrator apresenta melhores resultados, consegue estimar melhor o P que será disponibilizado para as plantas, em situações específicas.
Simplificando, o teor total de P é obtido com uma extração realizada com ácidos (ácido nítrico + ácido clorídrico concentrados) e diz o total de P do fertilizante, sem nenhuma correlação com o que a planta irá absorver. Podemos entender que a determinação do P2O5 total com ácido nítrico + clorídrico é a mais forte e solubiliza todo P da amostra. O ácido cítrico é um extrator que solubiliza grande parte do P da amostra de fertilizante e se correlaciona bem com o que a planta irá absorver em longo período, por isso esses dois teores aparecem nas garantias de fosfatos naturais (Tabela 2).
Já para fosfatos acidulados (SSP, TSP, MAP e DAP, por exemplo) utilizamos os extratores CNA + água e água pois eles extraem desses fertilizantes uma quantidade de P2O5 que se correlaciona bem com que as plantas irão absorver em curto período (ciclo de uma cultura anual, por exemplo). Contudo, para algumas situações é fundamental saber a diferença entre o teor de P2O5 que será prontamente disponibilizado para as plantas (estimado pela extração em água) daquele que será disponibilizado de forma mais lenta para as plantas (estimado pela extração com CNA + água), mesmo para culturas de ciclo anual, como será discutido mais adiante.
Por que a solubilidade é um critério essencial na escolha dos fertilizantes fosfatados?
Como vimos anteriormente cada extrator utilizado nas análises de fertilizantes fosfatados possui sua especificidade e é fundamental sabermos interpretar e compreender as diferenças entre os teores de P2O5 solúvel (extraído) por cada um deles, pois desta interpretação resulta o uso racional dos fertilizantes fosfatados.
Se utilizarmos o ácido cítrico como extrator de fosfatos acidulados, ele tenderia a superestimar a disponibilidade do P desses fertilizantes para as plantas. Por outro lado, se utilizarmos água e CNA + água como extratores em fosfatos naturais a tendência é subestimar a disponibilidade de P desses fertilizantes para as plantas.
Ordem de poder de extração (solubilização dos extratores) |
P2O5 Total > Ácido cítrico > CNA + água > água |
Fatores que influenciam a solubilidade dos fertilizantes fosfatados
O fósforo está presente nos fertilizantes em diferentes formas químicas que condicionam diferentes solubilidades e eficiência agronômica. Dessa forma, como mencionado anteriormente, o P contido nos fertilizantes é avaliado em condições de laboratório, por extratores, para certificar a qualidade dos produtos comercializados.
Os principais componentes encontrados nos fertilizantes fosfatados acidulados correspondem aos fosfatos monocálcico [Ca(H2PO4)2.H2O] encontrado no superfosfato simples (SS) e superfosfato triplo (ST) e os fosfato monoamônico (NH4H2PO4) e diamônico [(NH4)2HPO4] presentes no MAP e DAP, respectivamente. Como componentes secundários, o P pode ser encontrado como: fosfato bicálcico [CaHPO4] no SSP e TSP; fosfato tricálcico [Ca3(PO4)2] no SS e ST; e fosfatos de ferro e alumínio (Fe-Al-P) no SSP, TSP, MAP e DAP (PROCHNOW et al., 2008; HAVLIN et al., 2013).
O fosfato monocálcico e os fosfatos monoamônico e diamônico são formas solúveis em água (extrator) e correspondem ao P prontamente aproveitável pelas plantas e com eficiência agronômica superior aos demais compostos. O fosfato bicálcico apresenta eficiência intermediaria, sendo insolúvel em água, mas solúvel no extrator CNA. O fosfato tricálcico e os fosfatos de ferro e alumínio são insolúveis em água e solúveis em CNA, porém, apresentam eficiência agronômica baixa. Os fosfatos de ferro e alumínio (Fe-Al-P) correspondem a vários compostos formados pela reação de óxidos de ferro e alumínio (R2O3) e fosfato (PO43-), presentes na rocha fosfática, durante a produção dos fosfatos acidulados (ALCARDE; PROCHNOW, 2004). Os óxidos de ferro e alumínio são impurezas e quanto maior a quantidade dessas impurezas nas rochas fosfáticas maior será a fração insolúvel em água dos fosfatos acidulados.
Na Tabela 3 são sumarizadas as principais formas químicas de P encontradas nos fertilizantes fosfatados acidulados, suas solubilidades em água e a expectativa de eficiência agronômica.
Com base no exposto, o P dos fertilizantes acidulados que é solúvel em água corresponde as formas de P mais eficientes agronomicamente. Por outro lado, a fração que é solúvel em CNA, mas não é solúvel em água, apresenta eficiência agronômica inferior (ALCARDE; PROCHNOW, 2004). Sendo assim, conforme demostrado na Figura 1, fertilizantes que apresentam mesmo teor de P solúvel em CNA, porém, com diferentes teores de P solúvel em água podem apresentar eficiência agronômica diferentes, sendo maior para o fertilizante que apresenta maior teor de P solúvel em água.
Figura 1. Exemplificação de dois fertilizantes fosfatados acidulados (F1 e F2) que possuem mesmo teor de P2O5 solúvel em CNA+H2O (18%) com diferentes teores de P2O5 solúvel em H2O. Fi: representa a fração do P solúvel em CNA que também é solúvel em H2O. Fórmula: (%P2O solúvel em H2O ÷ % P2O solúvel em CNA+H2O) x 100.
O percentual da fração de P2O solúvel em CNA+H2O que também é solúvel em H2O dos fertilizantes é comumente representado na literatura como valor ou índice Fi, obtido da seguinte forma: (%P2O solúvel em H2O ÷ %P2O solúvel em CNA+H2O) x 100.
Na cultura da soja, em Itiquira-MT, a avaliação de fertilizantes fosfatados acidulados com diferentes valores de Fi, demostrou que a produtividade da cultura foi menor em valores de Fi abaixo de 60% (SILVA, 2013) (Figura 2). O fertilizante acidulado com Fi de 50% apresentou eficiência agronômica de apenas 62% em relação ao fertilizante padrão com Fi de 85%.
Figura 2. Produtividade de grãos de soja em função da aplicação de fertilizantes fosfatados. Os números a frente das siglas representam o valor percentual da fração do P2O5 solúvel em CNA+H2O que também é solúvel em água (Fi). Fonte: Silva (2013).
Como escolher o fertilizante ideal?
Conforme discutido no tópico anterior, fertilizantes fosfatados acidulados, obtidos a partir de matérias-primas com maiores teores de impurezas (óxidos de ferro e alumínio) resultam em fertilizantes com formas de P insolúveis em água (fosfatos de ferro e alumínio). Embora sejam solúveis em CNA, esses compostos apresentam eficiência agronômica baixa, com disponibilidade do P de forma muito lenta no solo. Dessa forma, na escolha do fertilizante fosfatado deve-se considerar além do teor de P2O5 em CNA+H2O também o teor do P2O5 em água, priorizando fertilizantes que apresentam maiores percentuais de P2O5 solúveis em água.
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